A
antropologia tem como postulado a unidade do gênero humano, o que não significa
que se ocupe do homem simplesmente. As sociedades ditas arcaicas ou primitivas,
numa linguagem evolucionista, foram os primeiros objetos sociais analisados por
especialistas, que as consideravam mais autênticas e mais transparentes do que
as sociedades ditas civilizadas, fossem elas rurais ou industriais. A ciência
do homem em geral aplicou-se, de seguida, à interpretação de todas as
diversidades culturais e sociais, pondo em causa as idéias de progresso
continuo da humanidade, de supremacia de uma civilização sobre outra, depois,
mais recentemente, propondo o reordenamento das relações interculturais,
principalmente na época das descolonizações.
Conceitos
fundamentais
O outro
Uma vez que a antropologia estuda as diferenças entre sociedades e culturas,
destina a si própria a tarefa de pensar o outro.
O
outro não esta etiquetado como tal, num quadro necessariamente longínquo. O
olhar que se lança sobre o outro implica o estabelecimento de relações e tem
como conseqüência um melhor conhecimento de si mesmo e da sua própria cultura,
por comparação.
O etnocentrismo
Falar dos outros não é falar nas costas dos outros nem contra eles. Cada um,
pela língua, pelo aspecto, pela maneira de viver, identifica-se com uma
comunidade cujos valores assimilou.
O
etnocentrismo, de que o etnólogo procura livrar-se, é a atitude que consiste em
julgar as formas morais, religiosas e sociais de outras comunidades de acordo
com as nossas próprias normas, e considerar as suas diferenças como uma
anomalia.
O
exotismo, como culto pelo pitoresco, visando reter tudo que é curioso e bizarro
nos outros, pode transformar-se em etnocentrismo, quando é acompanhado por uma
atitude desvalorizadora a respeito dos outros e em racismo quando produza
rejeição e hostilidade.
A etnia
Não é impossível que a própria idéia de etnologia possa conduzir
sub-repticiamente à depreciação do seu objeto, na medida em que será aplicada a
grupos de homens unidos num sistema que não é o nosso.
A
etnia define-se geralmente como uma população, que adota um etnônimo e que
reclama uma mesma origem, possuindo uma tradição cultural comum, especificada
por uma consciência de pertença a um grupo, cuja unidade se apóia e geral numa
língua, numa historia e num território idênticos.
Etnologia e antropologia
O
fato de a mesma disciplina se chamar etnografia, etnologia, antropologia social
ou cultural explica-se por ligeiras diferenças de conteúdo, de objeto, de
método e de orientações teóricas, muitas vê\zes próprias das tradições
nacionais, embora se possam também ver nisso momentos sucessivos do trabalho
antropológico, A etnografia é a etapa de recolha dos dados; a etnologia a fase
das primeiras sínteses, a antropologia a fase das generalizações teóricas, após
a comparação.
Objeto e atitude da antropologia
A
antropologia tem como objeto unidades sociais coerentes e de fraca amplitude
que ou constituem uma amostra representativa da sociedade global que se deseja
apreender ou então têm uma situação original pela sua subcultura especifica.
Relações
entre disciplinas afins
Antropologia e sociologia
A
antropologia constituiu-se em estreita relação com a sua irmã quase gêmea, a
sociologia. No século XIX, a necessidade de reorganização social, após as
revoluções política e industrial, origina o nascimento da sociologia. Pouco
depois, o interesse romântico pelo exótico, o desejo kantiano de criar uma
antropologia de orientação filosófica e o projeto colonial, convergem para a
fundação da etnologia.
O
objeto do sociólogo aparece menos distante e mais visível do que o do etnólogo,
e a sociologia escolhe como método preferido a amostragem sobre u vasto
conjunto, enquanto a etnologia prefere elaborar inventários descritivos
completos das culturas de pequena dimensão.
Antropologia e historia
Não há qualquer duvida de que a historia, como discurso de formalização da
temporalidade escorado na historia como sucessão dos acontecimentos, não possui
um passado anterior ao mundo grego. Perante ela, a antropologia tem o aspecto
de uma recém-chegada, esclarecida sobre o exotismo pelo Iluminismo e que, desde
há século e meio, analisa principalmente as instituições dos “selvagens”.
Antropólogos e historiadores trabalham de braço dado num campo de atividade
comum, embora com diferenças nas heranças, nas aprendizagens, nas carreiras e
na textura da profissão.
Rumo a uma etnolinguística
O termo
etnolinguística marca bem a ligação entre duas disciplinas afinas. A língua, no
século XIX, não deixa de ser apreendida simultaneamente como instituição social
e tesouro de uma civilização.
Outras afinidades e especializações
As
relações interdisciplinares são tão necessárias a antropologia como as
especializações:
-as
especializações externas, nos confins de outras disciplinas: etnobotânica,
etnozoologia, etnomusicologia;
-as
especificações internas: antropologia política, econômica, religiosa ou do
parentesco;
-as
especializações regionais: africanismo, oceanismo, americanismo, europeísmo...;
-as
especializações de escola: em função de teorias e de temáticas privilegiadas em
determinada época, em determinado pais.
A arte e
o método
A aventura etnológica no terreno
As
autobiografias do seu viver aventuroso, escritas como contraponto aos trabalhos
de pesquisa, mostram que o gosto pela amplidão, um fascínio de juventude, uma
narrativa de missionário, ou a existência de um tio madeireiro no Gabão, pôde
servir de pretexto para a partida de espíritos amadurecidos, não
necessariamente incomodados com sua própria sociedade, mas ávidos, por vezes,
de experiências desconcertantes e de revelação de si em circunstancias inéditas.
O
exílio cultural predispõe para a tolerância, para a rejeição de preceitos
ligados ao seu meio, à sua classe, à sua formação e liberta do etnocentrismo
graças a um afastamento do sistema, que ajuda a comparar e a exercer a sua
faculdade critica.
A observação participante
Embora a observação não seja uma técnica de investigação verdadeiramente
codificável por ser artesanal, ela é, no entanto, a mais exigente. A
dificuldade resulta da posição do observador num espaço determinado, com uma
perspectiva limitada, tendo um determinado estatuto no sistema e sendo ele
próprio nó de interações.
O inquérito por informadores
A
observação não seria suficiente sem conversações junto de informadores
classificados.
A interpretação dos resultados
Entre a utilização dos métodos e a exposição monográfica, situa-se um momento
capital, o da interpretação dos resultados, que supõe a construção de hipóteses
e a administração da prova. Não será demasiado insistir na necessidade de uma
bagagem teórica e metodológica, se quiser adaptar o próprio ponto de vista a
outro diferente do ingênuo que acredita na transparência do social e no saber
imediato. Mesmo com uma longa formação, o doutorado tropeça ao nível da
explicação.
Censura-se ao etnólogo ou de interpretar demasiado, de sobreinterpretar, de
impor um sentido, ou então, pelo contrario, de não interpretar o suficiente, de
escrever simplesmente fatos verificados empiricamente, sem referencias às suas
causa e condições.
A monografia
A
maior parte das vezes, uma investigação antropologia termina pela redação de
uma monografia, em que se expõem os seus resultados. Uma monografia total
pretende dizer tudo sobre uma etnia ou sobre um grupo humano, ordenando os
fatos desde o ecológico até ao espiritual. Elaboram-se também monografias
temáticas, portanto, parciais, que adquirem valor comparativo quando são
coletivas e quando analisam o mesmo fenômeno, sob ângulos diferentes, com
diferentes investigadores, ainda que, por vezes, se corra o risco de não
conseguir uma perspectiva comum.
Uma monografia deve idealmente ser descritiva e explicativa, única e
comparável, atingindo o singular e o geral.
RIVIERE, Claude. Introdução à antropologia. Lisboa: Ediçoes 70, 2007.