
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é esboçar um breve
diagnóstico acerca do processo de industrialização levado a cabo no Nordeste
pela SUDENE no período compreendido entre 1960 e 2000, na perspectiva de
verificar se há relação entre o que foi planejado pelo órgão de fomento ao
desenvolvimento regional e o que foi executado na região e em que medida as
mudanças ocorridas na estrutura produtiva repercutiram na melhoria das
condições de vida da população nordestina.
Em meados da década de 1950, após um período secular
de atrofiamento das atividades agroexportadoras e de contínua perda de
participação econômica na produção brasileira, o Nordeste brasileiro atingiu o
ápice de sua crise econômica, passando, a partir de então, a figurar entre as
áreas de maiores índices de pobreza do hemisfério Sul.
O processo de industrialização brasileiro,
fortemente concentrado em São Paulo, permitiu que o estado se modernizasse para
a produção em larga escala e liderasse a constituição de uma nova divisão do
trabalho para o conjunto da economia brasileira, em substituição às
tradicionais economias regionais até então existentes.
Com efeito, assistiu-se a uma predominância das
mercadorias do Sudeste sobre as do Nordeste em praticamente todos os setores da
economia regional. Em consequência disso, a região
nordestina passou a experimentar um crônico e significativo déficit no seu
balanço comercial com as demais regiões brasileiras,
notadamente com a região Sudeste.
Paradoxalmente, o Estado inerte que se formou no
Nordeste, sob o comando da frágil oligarquia regional, encarregou-se de
executar projetos que, de modo geral contribuíram para descapitalizar a região,
enfraquecendo ainda mais (tanto econômico como politicamente) o poder da
emergente burguesia industrial regional de reproduzir- se endogenamente.
A INTERVENÇÃO DO
ESTADO NO NORDESTE E A CRIAÇÃO DA SUDENE
Às fragilidades da conjuntura política adicionou-se
a debilidade das atividades econômicas do Nordeste, pressionando o governo
federal a intervir diretamente na região, mediante a ameaça de irrupção
iminente de um movimento “revolucionário” encabeçado pelas Ligas Camponesas,
sob a liderança de Francisco Julião.
Diante desse contexto, o presidente Kubitschek criou
o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) em 1956, tendo em
vista a preocupação de evitar uma convulsão social na região, bem como de
afastar qualquer possibilidade de desenvolvimento de uma política consciente de
ruptura da ordem social vigente. Esse grupo, que foi coordenado por Celso
Furtado, tinha a finalidade de identificar os principais fatores que atuavam no
processo de regressão e subdesenvolvimento do Nordeste e de propor a elaboração
de uma política de desenvolvimento para a região.
O relatório do GTDN − como ficou conhecido o
documento-síntese dos trabalhos do grupo constatou que havia uma enorme
disparidade de renda entre o Nordeste e o Centro-Sul do país e que isso
constituía o mais grave problema a ser enfrentado.
Em síntese, o plano de ação do governo estabelecido
no relatório do GTDN estruturou- se em quatro diretrizes básicas,
A proposta do GTDN tinha uma concepção
estruturalista ao visualizar mudanças profundas na economia nordestina sem, no
entanto, explicitar a correlação de forças em que a industrialização regional
deveria se apoiar. Apesar de ficar clara a presença do Estado como agente
impulsionador do desenvolvimento mediante investimentos em infraestrutura
básica, instituição de incentivos fiscais e financeiros e, até mesmo, como
investidor direto, o principal papel nesse processo era reservado à iniciativa
privada.
Ademais, ao pretender “criar no Nordeste um centro
autônomo de expansão manufatureira”, pode-se inferir que, em tese, a proposta
do GTDN era transpor para os marcos da região uma política de industrialização
assentada, marcadamente, na substituição regional de importações. Disso se conclui que a “nova”
industrialização preconizada para a região deveria ter um caráter autônomo e,
predominantemente, de base regionalista.
Não obstante, em que pese ao seu caráter explicitamente
industrialista, o GTDN chegou a advertir, muito acertadamente, que a
industrialização, por si só, não seria suficiente para atender às exigências
que o desenvolvimento requeria.
Foi dentro desse contexto que o relatório do GTDN
deu origem à criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) em dezembro de 1959, pela lei nº 3.692, com a finalidade de executar a
política de desenvolvimento proposta para a região nordestina.
Entretanto, convém ressaltar que, em meados da
década de 1960, com o advento do golpe militar, a SUDENE sofreu uma forte
intervenção e um redirecionamento de suas diretrizes. A partir daí, os governos
militares trataram de tirar a relativa autonomia e legitimidade que havia sido
imputada à SUDENE por ocasião de sua criação e transferiram investimentos para
outras atividades econômicas e para outras regiões do país, esvaziando
completamente a força coordenadora da agência de desenvolvimento do Nordeste.
O
VIÉS NA POLÍTICA EMPREENDIDA PELA SUDENE E A INSTITUIÇÃO DOS PNDS
A partir da década de 1970 - não obstante o viés da
política de desenvolvimento regional - o esforço no sentido de consolidar o
processo de industrialização do Nordeste teve continuidade com a política
institucional do governo federal através dos PNDs.
A rigor, a política de industrialização do Nordeste,
que, desde meados da década de 1960, já vinha privilegiando os grandes
compartimentos industriais, contrariando as proposições do GTDN, a partir de
meados da década de 1970 - com a instituição do II PND - inclinou-se,
preponderantemente, para a implantação de grandes e modernos complexos
industriais, notadamente do químico e do petroquímico, em razão da vantajosa
dotação de determinados recursos naturais existentes na região, como na Bahia,
por exemplo.
Nesse processo, a industrialização do Nordeste,
antes programada para ser funcional ao mercado regional, inverteu-se
completamente, passando a ter concatenação direta com o sistema nacional.
REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA E CRESCIMENTO ECONÔMICO NO NORDESTE
A concentração de investimentos nas regiões
periféricas, mais particularmente no Nordeste, a partir da década de 1970,
provocou uma expansão do produto regional dessa região em nível
incontestavelmente superior à média obtida pelas regiões mais desenvolvidas do
país.
A rigor, a redução da participação da agropecuária
em favor das atividades essencialmente urbanas, notadamente industriais,
constitui o marco histórico mais “importante” das transformações registradas
pela economia nordestina nos quarenta anos que se sucederam à criação da
SUDENE. Todavia, deve-se ressaltar que essas transformações interromperam-se na
década de 1980, quando a crise de instabilidade, provocada pelo excessivo
endividamento externo do Brasil, reduziu a capacidade de financiamento do Estado.
O que se seguiu foi um período de tentativas frustradas de planos de
estabilização e um completo desmantelamento do aparelho estatal e com ele o de
vários órgãos de planejamento regional, como a SUDENE e Sudam, por exemplo.
O
DESLOCAMENTO DE GRANDES EMPRESAS PARA O NORDESTE
Na década de 1980, conforme assinala pesquisa da
SUDENE, o Nordeste ampliou ainda mais sua articulação com o Sudeste em relação
à década de 1970 ao mesmo tempo em que
diminuiu suas vendas na própria região.
Em síntese, o que se pode constatar com isso é que a
estrutura industrial que se implantou no Nordeste a partir da década de 1960,
e, sobretudo, na década de 1970, com o aparato dos incentivos governamentais,
reflete muito mais a necessidade de se nativar o setor de bens de capital da
economia brasileira como um todo visando assegurar a manutenção das taxas de
remuneração do capital privado, concentrado no Sudeste do país do que reduzir
os desníveis econômicos e sociais regionais.
O
DIMENSIONAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL NO NORDESTE
Em princípio, deve-se ressaltar que, em termos
absolutos, houve uma melhoria significativa dos indicadores sociais no período
referido em praticamente todas as regiões brasileiras, tanto na fase de
crescimento acelerado da década de 1970 quanto na fase de retração e declínio
das décadas de 1980 e 1990. No entanto, isso ocorreu de forma desigual em todas
as regiões brasileiras, inclusive com perda de intensidade na década de 1980,
sobretudo no Norte e no Nordeste.
Apesar do traço distintivo apresentado pela evolução
dos indicadores sociais das diferentes regiões do país no período em estudo,
pode-se constatar que na década de 1970 houve uma redução razoável tanto em
termos relativos quanto em termos absolutos no total da população pobre do
Brasil, embora, em termos relativos, esse indicador tenha diminuído de
intensidade ao longo das décadas de 1980 e 1990.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A análise da evolução da economia
nordestina a partir da década de 1960 intermediada pela intervenção planejada
do Estado na região mediante a atuação da SUDENE revela que, nos quarenta anos
que se sucederam à criação desse órgão de estímulo ao desenvolvimento regional,
foram obtidas importantes conquistas econômicas. No entanto, persistem
agravadas em muitos casos as questões sociais básicas, tanto pelo modesto
alcance das políticas de desenvolvimento quanto pela índole perversa das
mudanças ocorridas na estrutura produtiva da economia regional.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, J.
E., ARAÚJO, J. B. Um modelo exaurido: a experiência da SUDENE. Teoria e
Evidência Econômica, v. 12, n. 23, nov. 2004.